Varal de Cordéis Joseenses

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segunda-feira, 14 de novembro de 2022

A Raposa e os Peixes (Paulo Barja) - cordel completo

 



Uma história bem antiga
eu li num livro uma vez,
achei muito divertida
e vou contar pra vocês:
fala sobre uma raposa
que em vez de um peixe, quis 3!

Certa manhã, bem cedinho,
quando o raposo acordou,
viu o dia ensolarado
e assim logo se animou:
“O dia tá bom pra peixe!
 Sair pra pescar eu vou.”

Estava mesmo com sorte:
o raposo, sem demora,
conseguiu pescar 3 peixes;
em seguida, veio embora.
Foi acordar a raposa
dizendo: “Minha senhora,
 
 veja só que belo almoço
 acabei de conseguir:
 três traíras bem fresquinhas,
 pra comer até cair;
 meu amor, é tanto peixe
 que vai dar pra dividir!

 Vou chamar o senhor tigre
 para almoçar com a gente.
 Não se assuste, a idéia é boa:
 o tigre é muito imponente
 e sempre é bom ter amigo
 assim tão forte e valente.

 Vá caprichando no almoço
 que depois do meio-dia
 chegamos, eu e o tigre,
 com a barriga vazia
 e ele vai ver o banquete
 com a maior simpatia.”
 
Quando ouviu isso, a raposa
achou melhor preparar
as traíras bem depressa
Para não decepcionar
o raposo nem o tigre
que viriam almoçar.

Caprichando na receita,
temperou com precisão:
colocou cebola e alho,
azeite, sal e limão.
Depois levou tudo ao forno
com muita dedicação.

Quando tudo ficou pronto,
nada de tigre e raposo!
Foi batendo aquela fome,
parecia apetitoso...
Provou uma das traíras:
mas que peixe saboroso!
 
Distraída, a raposinha
comia despreocupada.
Quando foi ver, a traíra
tinha sido devorada!
Mas a raposa pensou:
“Eu estava esfomeada!

 E esses dois, que nunca chegam?
 Fiz o almoço com capricho...
 A traíra está esfriando 
 e meu marido é um bicho:
 se ele achar algum defeito, 
 vai dizer: Está um lixo!

 Vou conferir o sabor...”
E a raposa, interesseira,
provou mais uma traíra.
“Está melhor que a primeira!”
Empolgou-se nossa amiga:
comeu a traíra inteira!
 
“Ai, meu Deus, comi mais uma
 sem querer, vejam vocês!
 Ah! Quer saber? É bem feito!
 Eles vão perder a vez!
 Atrasaram-se pro almoço?
 Comi duas, como TRÊS!

Dito e feito! Comeu tudo,
mas logo que terminou
ouviu baterem na porta.
“Espere um pouco! Já vou!”
Era o raposo, dizendo:
“O convidado chegou!

 Estamos com muita fome!
 Nosso almoço já está pronto?”
E a raposa respondeu:
“Já está sim... eu nem te conto!
 Sente aí, amigo tigre!
(Marido, você é tonto?!
 
 Foi pescar 3 peixes duros,
 como é que vamos fazer?
 Vá lá fora, afie a faca,
 pra cortar e então comer!
 Eu vou distraindo o tigre,
 ele nem vai perceber)”

O raposo, ouvindo aquilo,
já saiu suando frio...
A raposa, muito esperta,
disse ao tigre: “Amigo, psiu!
 Isso é barulho de faca
 sendo afiada, já ouviu?

 Bem que o meu marido disse
 (eu nem quis acreditar)
 que acordou com apetite
 e traria pra almoçar
 duas orelhas de tigre
 pra gente experimentar!
 
 O senhor saia correndo,
 pra não perder as orelhas!”
O tigre, sabendo disso,
ficou com elas vermelhas
e saiu correndo como
que picado por abelhas.

A raposa então gritou:
“Marido, venha depressa!
 O tigre fugiu correndo
 e eu não esperava essa:
 foi levando as 3 traíras
 que já estavam na travessa!”

O raposo, então, chegando
com duas facas na mão,
foi correndo atrás do tigre,
dizendo: “Faça isso não!
Deixe pelo menos uma,
pra se comer com feijão!”
 
O tigre achou que o raposo
da sua orelha falava;
correu ainda mais depressa,
e quem é que o alcançava?
Pois ia quase voando
de tão aflito que estava!

Para encerrar o folheto,
Brinco agora com vocês:
Almocemos essa história,
Refeição que dá pra 3...
Já escolhi: eu como os peixes
As orelhas são procês!

Paulo Roxo Barja


Tartaruga e Passarinho (Paulo Barja) - primeira versão do cordel, completa

 



Uma dupla diferente
se encontrou por um caminho: 
um no chão, outro nos ares,
tartaruga e passarinho
- ela carregando a casa, 
  ele voando pro ninho.

Tartaruga era tranquila,
passarinho era apressado.
Começou a discussão:
quem seria o mais versado
nas histórias deste mundo?
Cada um via o seu lado.

Por fim, eles se acalmaram,
mas a cisma era tamanha
que marcaram um encontro
lá no alto da montanha
e fizeram uma aposta:
vamos ver quem é que ganha.

  Passarinho teve a idéia.
- Vamos guardar na memória
  tudo aquilo que encontrarmos:
  cada coisa, cada história.
  Quem juntar mais novidades
  será o dono da vitória!

  E disse: - Pra mim é fácil!
  Sou veloz, não sou incauto;
  vejo as árvores e os bichos,
  vejo tudo aqui do alto
  e não preciso de estrada
  nem de terra, nem de asfalto.

– Você quer abrir as asas?
Acha que é melhor voar?
Então voe, vá na frente, 
a estrada é o meu lugar.
Vou tranqüila, não me espere,
que eu prefiro caminhar.

Passarinho foi ligeiro:
passou por cima de tudo.
Lá embaixo, a tartaruga
só pensava: “Não me iludo;
quem tem pressa chega antes,
mas o tempo é meu escudo.”

Cada um foi pro seu lado.
Fez calor, choveu, fez frio...
Bem depois, se reencontraram;
tartaruga então sorriu
e disse pro passarinho:
- Conte-me agora o que viu.

Ao ouvir esta pergunta,
passarinho, displicente, 
já foi logo abrindo o bico,
respondeu rapidamente: 
vi tudo que é bicho e planta,
conheci tudo que é gente!

E contou mil aventuras;
falou bem mais de uma hora.
Tartaruga ouvia atenta,
nem pensava em ir embora.
Quando o pássaro acabou,
tartaruga disse: - Agora

fique aí bem pousadinho,
também tenho o que contar.
Conheci muitas histórias
da terra e até do ar,
de outros pássaros que às vezes
paravam pra conversar.

Vim sem pressa, reparando
no que havia pra se olhar;
vi abelhas passeando
sobre as flores, a bailar;
vi a cigarra cantando
e a formiga a trabalhar.

Parava onde havia água,
a fim de me refrescar
e soube, através dos peixes,
lendas do rio e do mar,
mas como isso leva tempo,
demoreeeeeeeeeei para chegar.

Devagar conheço o mundo,
vejo os detalhes de frente. 
Quem voa, passa por cima;
do lado é bem diferente:
quem não tem o casco grosso,
passe longe de serpente!

E os dois foram percebendo
que podiam ser amigos,
ajudando um ao outro,
enfrentando os inimigos;
se um não via, o outro notava
e avisava dos perigos.

Hoje é bonito de ver
quando os dois passeiam juntos,
um do alto, outro do chão:
que tanto falam, pergunto?
Podem ser bem diferentes,
mas têm sempre muito assunto!

Paulo R. Barja (2010)