Varal de Cordéis Joseenses

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quarta-feira, 25 de setembro de 2019

CJ 90 - Cordel Pela Amazônia




Saudações, caros amigos!
Não vou fazer cerimônia
para tratar de um assunto
que tem provocado insônia
- precisamos refletir
  e falar sobre a Amazônia.

A Amazônia representa
mais de 50 por cento
das florestas tropicais
do planeta. Não invento:
Amazônia, meus amigos,
é universo e não fragmento.

O bioma é muito rico:
ficamos impressionados
pelo número de plantas
e animais catalogados
em mais de cinco milhões
de quilômetros quadrados.

Um naturalista austríaco,
Carl von Martius, precisou
de 15 imensos volumes
- foi onde ele compilou,
 no século dezenove,
 fauna e flora que observou.

A biodiversidade
é imensa neste ambiente:
há mais de 14 mil 
diferentes plantas, gente!
Quase 7 mil são árvores,
diz um estudo recente.

Disso tudo, o mais incrível:
veja uma árvore apenas
e você estará diante,
simplesmente, de centenas
de animais, microorganismos,
vidas grandes e pequenas.

Um paradoxo, porém,
em pesquisas percebi:
a tão falada Amazônia,
hoje é sim, pelo que vi,
centro de atenções no mundo,
mas... periferia aqui.

Estima-se em 10 por cento a
fotossíntese do mundo
nas árvores da Amazônia:
é um processo fecundo.
Pensar que está ameaçado
causa desgosto profundo.

Nos versos deste cordel,
para vocês eu explico:
a questão é que o Brasil
em Natureza é bem rico,
mas quem desmata, saqueia
- mais que pagar, mata mico.

Quanto ao ciclo de carbono,
várias décadas de estudo
são necessárias pra gente
compreender, não me iludo.
Quem pesquisa a vida inteira
ainda não entende tudo.

Por isso mesmo é que aquele
que à pesquisa se dedica
merece nosso respeito:
toda humanidade fica,
no estudo, mais consciente
e, em sabedoria, rica.

“Louvado sejas, Senhor,
 por nossa irmã, a mãe Terra”,
disse Francisco de Assis,
séculos antes da guerra
por recursos naturais
que hoje, quem teme não erra.

Disse o papa em sua encíclica:
internacionalizar
o controle da Amazônia
só faria piorar
os problemas sociais,
pra que alguns possam lucrar.

Ecologia integral:
tema atual e fecundo:
Esse novo paradigma
é um modo de ver o mundo
em que tudo se interliga
com laço real, profundo.

Não há como fragmentar:
aquecimento global,
veneno e desmatamento
geram crise social:
o mais pobre é quem mais sofre
com o drama ambiental.

As alterações climáticas
geram chuva e seca extremas,
trazendo para a Amazônia
desafios e problemas
que ninguém vai resolver
fazendo telefonemas.

Os índios têm aguçada
percepção ambiental.
Sabem ler a natureza
e, se acontece algum mal
à floresta, rapidinho
eles captam o  sinal.

É necessário escutar
cada voz amazonense;
respeitar tudo  que sabe
quem ali já vive. Pense:
temos muito a aprender
e assim todo mundo vence.

Borracha, madeira, peixe,
açaí, folhas, raízes
que têm poder curativo
fazem os índios felizes.
Extrair sem destruir:
saibamos ser aprendizes.

Por outro lado, também
temos coisas a ensinar:
morador local não deve
se deixar intimidar
e, se for ameaçado,
precisa denunciar.

Um caminho essencial
é educar comunidade:
matriz ecopedagógica
tratando em profundidade
resiliência a desastres
e sustentabilidade.

Na Amazônia (e não só lá),
com a urbanização,
houve muitos diferentes
tipos de transformação.
Cidades agora emergem
como importante questão.

Mas cidades - ouçam bem
este "aviso aos navegantes" -
com fraca infraestrutura
e 20 mil habitantes
ou até menos que isso,
vivendo hoje como antes.

Falha a economia urbana,
subempregos são gerados...
Os recursos federais
têm que ser compartilhados
e estes repasses precisam
logo ser repactuados.

Há um contraste permanente:
carência em meio à abundância.
Hospital e água tratada
precisam vencer distância
e a qualidade de vida
é baixa e sofre inconstância.

Matéria prima é exportada;
falta comida na mesa.
Temos culpa no cartório
pois louvamos “a riqueza
da Amazônia” - e que fazemos
pra combater a pobreza?

A realidade histórica:
economia de saque
nunca ajudou nosso povo
- ao contrário, traz um baque.
A riqueza vai pra fora
e até índio sofre ataque.

Mas essas dificuldades
poderão ser superadas
se as riquezas naturais
forem logo associadas
a cadeias produtivas
novas, verticalizadas.

Açaí, antigamente,
era sempre desprezado;
da árvore, só o palmito
é que era aproveitado.
Hoje o fruto tem valor
bilionário no mercado.

Qualificando mão de obra
local, com a emergência
de uma economia verde
com apoio da ciência,
o povo conseguirá
minimizar dependência.

Cacau virar chocolate
na própria comunidade
será uma revolução:
garantindo qualidade,
um "chocolate amazônico"
pode ser realidade.

Preservação da Amazônia:
quem ouve falar no tema
pensa logo em bicho e planta,
mas e o povo? Eis o dilema:
capitalismo sem freio
desmata e só traz problema.

Isso acontece porque,
quando no verde se fala,
tem gente que pensa em dólar,
quer ficar rico “na bala”...
Isso a gente denuncia,
pois o cordel não se cala.

Há uma questão econômica:
gado e soja, se há aumento
de cotação no mercado,
levam ao desmatamento.
Mas já soubemos vencer
essa pressão. Fique atento:

O desmate foi contido
num período de 6 anos
(2006 a 2012)
por decisões sem enganos.
Relato agora dois pontos
com que se conteve danos:

1) Houve restrição de crédito
a produtor-predador
2) e se equipou fortemente
o IBAMA, bom protetor,
aumentando assim o nosso
poder fiscalizador.

Há três fontes principais
de riqueza na floresta:
áreas extensas de solo,
madeira (muita ainda resta)
e produtos naturais
em que Deus se manifesta.

A mata possui, nas folhas
e nas raízes também
a cura mais natural
pros males que o homem tem:
cientistas comprovaram 
o que os índios sabem bem.

Mas a ciência deseja
para todos esta cura
e a indústria farmacêutica 
insiste numa loucura: 
rouba, patenteia e cobra
- só no marketing é "pura"!

Parece querer que o pobre
trabalhe só na extração
daquilo que lhes dá lucro,
mas, depois da produção,
só pra quem tem muita grana
é que chega a salvação.

Há solução para isto?
Sim! É preciso investir:
financiando a pesquisa,
o governo faz surgir
medicamento barato
que pro povo vai servir.

A natureza trabalha
e produz com abundância, 
mas nada é acumulado:
é usado sem ganância.
Vida é colaborativa,
tem respeito e tolerância.

O desafio amazônico:
conciliar conservação
da floresta, rios e árvores,
com a boa condição
de vida, justo desejo
de toda a população.

O mercado interno tem
importância capital;
requer que não haja abismo
social nem cultural
- e a inclusão se promove
  por via educacional.

A Amazônia é estratégica
para os planos nacionais,
mas há que se garantir
aos habitantes locais
imediato acesso aos bens
públicos fundamentais.

Um caminho a ser pensado
pode ser o Pagamento
por Serviço Ambiental
a quem tira seu sustento
da mata mas não desmata
e inda produz alimento.

Eis um apoio importante
para a meta desejada:
cobertura vegetal
mantida ou recuperada
com biodiversidade
garantida e preservada.

Na Amazônia há muitos rios,
avenidas fluviais
onde habita o peixe-boi
(com três metros, quase ou mais),
junto a microorganismos,
outros peixes e animais.

Quando a agricultura faz
uso de fertilizantes,
estes poluem os rios
com reflexos preocupantes.
Com o mercúrio, o garimpo
já contaminava antes...

O garimpo atinge em cheio
os rios, o meio ambiente
e os povos originários:
o índio fica doente,
com malária e diarreia...
Homem branco inconsequente!

A verdade é triste mesmo,
mas não vamos recuar:
um grave problema agora
precisamos abordar,
para que o país inteiro
possa se conscientizar.

Quadrilhas extraem madeira
e ameaçam moradores.
Miram, por exemplo, ipê,
que sempre tem compradores.
Usam trator, motosserra e
caminhões carregadores.

Depois de extrair madeira,
falsificam sua origem:
fraudam planos de manejo
- só de falar dá vertigem -
e abrem espaço pro fogo,
sem se importar com fuligem.

Cada "árvore valiosa"
é depressa retirada
e o que fica é só clareira
vulnerável a queimada.
Meses depois, os bandidos
completam sua empreitada:

com o terreno já seco,
queimam mais e, enquanto agem,
geram documentos falsos
- a conhecida grilagem.
Depois do capim plantado,
o boi completa a paisagem.

Muitos dos que lutam contra
estes acontecimentos
são perseguidos e mortos,
pra nossa dor e lamentos.
A Igreja diz: em 10 anos,
morreram mais de 300.

Um paradoxo cruel:
reduziu-se a ocorrência
de multas ambientais!
Bandidos ganham clemência
e há mesmo quem esbraveje
contra alertas da ciência...

A estimativa que temos
hoje aponta pra desgraça:
duas mil árvores caem
num minuto que se passa!
Não seremos coniventes:
rejeitamos a mordaça.

Muito deserto atual
pelo homem já foi feito.
Desertificar a mata
nunca foi nem é direito.
É tarde? Nós protestamos
pela Vida enquanto há jeito.

Se a violência prossegue
e a floresta é devastada,
há sanções comerciais:
não se investe ou compra nada.
Assim, nem a economia
justifica essa jornada.

O que todos defendemos:
o fim de ataques verbais
contra os ativistas, índios 
e ONGs ambientais,
que devem ser apoiados
pra que ninguém morra mais.

Falemos menos:  lutemos
pra salvar o que nos resta.
Desliguemos motosserras,
calemos o que não presta.
Somente assim, em silêncio,
ouviremos a floresta.

É preciso retomar
toda a fiscalização.
Desmatamento ilegal
merece um sonoro "NÃO!"
e que o povo da Amazônia
tenha nossa compaixão.

Temos que honrar a memória 
de Rondon, Darcy Ribeiro
e do grande Chico Mendes,
ativista e seringueiro
que defendeu com a vida
este solo brasileiro.
Paulo R. Barja


REFERÊNCIAS CONSULTADAS

BETIM, F. O inédito respaldo do Planalto a garimpeiros de áreas protegidas na Amazônia. El País, 17/09/2019. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/09/17/politica/1568756593_921467.html. Acesso: 18 set. 2019.

CAMILO, M. Amazônia Real, 21/21/2017. Disponível em:  https://amazoniareal.com.br/garimpo- provoca-a-morte-de-rios-e-traz-doencas-ao-indios-munduruku-no-para/. Acesso: 18 set. 2019.

CASTRO, F. Micróbios das Florestas. Agência FAPESP, 14/01/2011. Disponível em: http://agencia.fapesp.br/microbios-das-florestas/13319/. Acesso: 18/9/2019.

COUSTEAU, J. Ode à Amazônia - A Grande Aventura de Cousteau, v.34. Barcelona: Altaya, 1997.

GADELHA, A. No Acre, jovens aceitam subempregos e mudam de cidade para fugir da informalidade. G1, 21/06/2019. Disponível em: https://g1.globo.com/ ac/acre/noticia/2019/06/21/no-acre-jovens-aceitam-subempregos-e-mudam-de-cidade-para-fugir-da-informalidade.ghtml. Acesso: 18 set. 2019.

GLOBO/AFP. Agricultura na Amazônia 'alimenta' formação de mancha gigante de algas marrons. O Globo, 03/08/2019. Disponível em: https://oglobo.globo.com/sociedade/agricultura-na-amazonia-alimenta-formacao-de-mancha-gigante-de-algas-marrons-23853721. Acesso: 19 set. 2019.

GORTÁZAR, N.G. Brasil só julgou 14 dos 300 assassinatos de ambientalistas da última década. El País, 17/09/2019. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/09/16/politica/1568661819_648829.html. Acesso: 17 set. 2019.

MELO, A. F. Dilemas e desafios do desenvolvimento sustentável da Amazônia: O caso brasileiro. Rev. Crít. de Ciências Sociais, 107, p.91-108, 2015. Disponível em: https://journals.openedition.org/rccs/6025. Acesso: 16 set. 2019.

MOON, P. Pesquisadores revelam diversidade de plantas na Amazônia. Agência FAPESP, 23/10/2017. 
Disponível em: http://agencia.fapesp.br/ pesquisadores-revelam-diversidade-de-plantas-na-amazonia/26468/. Acesso: 12 set. 2019.

MOTA, E. Câmara aprova projeto que prevê pagamento para quem preservar meio ambiente. Congresso em Foco, 03/09/2019. Disponível em:
https://congressoemfoco.uol.com.br/congresso-em-foco/camara-aprova-projeto-que-preve-pagamento-para-quem-preservar-meio-ambiente/. Acesso: 19 set. 2019.

PORTAL AMAZÔNIA. Professor do Pará lança livro sobre a relação entre desmatamento da Amazônia e pobreza, 16/01/2019. Disponível em: http://portalamazonia.com/noticias/professor-do-para-lanca-livro-sobre-a-relacao-entre-desmatamento-da-amazonia-e-pobreza. Acesso: 19 set. 2019.

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