Varal de Cordéis Joseenses

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sexta-feira, 13 de setembro de 2019

CJ 89 - Pensando a Literatura com Valter e Conceição

(Cordel escrito como relatoria da mesa de abertura do evento FLIM 2019 no Parque Vicentina Aranha, São José dos Campos)



Venho em versos dar bom dia
aos amigos da leitura
que bem sabem da importância
de abordar literatura,
pois um povo só resiste
quando defende a cultura.

Foi em plena "sexta treze"
que a festa se iniciou
com programação de peso,
pois Marcelino escalou,
junto com Carol, um time
que prenunciava gol.

Cláudio do Vale mostrou
"Sertania Nordestina",
que apresenta há 20 anos
com energia divina
a vida do grande Lua:
Luiz Gonzaga e sua sina.

Frente ao palco principal,
Icamiabas vieram;
essas guerreiras do som
canto e batuques fizeram.
"A resistência é mulher,
tem graça e força", disseram.

Após o axé das meninas
- musical iniciativa -
o público só crescia
e aumentava a expectativa...
Marcelino veio ao palco
com Carol, parceira ativa.

Homenageou-se Zé Mira,
"o último dos tropeiros",
mestre em Folia de Reis
e patrono dos violeiros
do Vale do Paraíba
e nossos tantos festeiros.

Numa canção de Zé Mira
mostrada pelo seu filho, 
Paraíba é mais que um rio:
é vida, cor, estribilho.
Precisa ser defendido
contra o industrial gatilho.

Depois dos versos caipiras
- e esperávamos por isto -
veio Valter Hugo Mãe
com Conceição Evaristo.
Ela conta sua origem...
"Escrevo, por isso existo...

A minha palavra vem
da mãe, de suas histórias
e também do seu silêncio;
lembranças sáo ilusórias
e a palavra, aviso logo,
não dá conta das memórias."

Valter Hugo Mãe nos diz:
"Ao invés do que se pensa,
é de um vazio que há por dentro,
de uma solidão intensa
e de tudo que me falta
que a palavra faz presença."

E Conceição, ao falar
das marcas da oralidade,
diz que isso é um desafio:
"Mais que palavra, a vontade
é escrever um som, um gesto.
O corpo fala, é verdade!"

Valter diz que oralidade
é uma força feminina:
"Minhas irmãs... suas falas
eram iguaria fina
para um futuro escritor,
mesmo se ele desatina...

Meu pai teve 20 irmãos:
que vontade de ser pobre!
A família, grande assim,
vivia sempre sem cobre
e foi pra França, ironia,
que é terra de gente nobre.

Tudo era muito confuso
e isso me dava o tom:
confusão, quando se escreve,
vira um combustível bom
e as palavras mais bonitas
tinham feminino som."

Diz Conceição: "Minha mãe
teve força visionária:
com revista, improvisava
oficina literária.
A gente criava história
sobre foto até precária.

Ganhei uma biblioteca
na Praça da Liberdade,
onde a tia trabalhava;
passei a ler à vontade.
Montei então um caixote-
mesa-estante: novidade..."

Valter diz: "Até os 10 anos,
eu lia o que era de irmão,
pois pra mim faltavam livros
e a mãe quase disse NÃO
quando eu quis um de terror.
Olha, menino, atenção...!

Li, na presença de adultos.
Na Vila dos Pescadores,
a biblioteca era longe
como a escola, sim, senhores
- pra conseguir por ali
o que ler, sofri horrores!

Colecionando palavras,
comecei a escrever.
Preenchia meus cadernos
meio assim, sem perceber.
Maputo? Palavra estranha:
Mais uma pra recolher!

Assim, comecei com trovas,
de uma forma natural.
Não sabia ser poesia
o que eu fazia, afinal.
Palavras tinham fascínio
e eu me achava o maioral."

"Eu adorava mentiras",
revelou-nos Conceição.
"Exagerava nos textos,
mentia sem compaixão
cada vez que precisava
criar uma redação.

Aos poucos, inda menina,
conquistei o meu espaço.
Ganhei missal num concurso
e escrevi, pois é o que faço:
"Rumo à glória literária
 esse é meu segundo passo!"

Carol fala da ternura
de personagens e autores.
Diz Conceição: "São família;
compartilham suas dores
e até seus fluidos comigo.
São cúmplices-professores.

De todos, Maria Nova
teve destaque pra mim:
essa é minha companheira
e confesso aqui na FLIM
que um dia talvez eu faça
autobiografia enfim..."

Diz Valter: "Eu não me afasto
das figuras que criei
pois sempre existe alguém lendo
o que escrevi e já nem sei.
Por isso é que não esqueço,
mas minha escrita é sem lei:

Quanto mais surrealista
o que escrevo, mais real.
Às vezes, até disfarço,
para deixar mais banal
aquilo que em minha vida
era MESMO surreal."

Conceição diz: "Uma frase
que escuto já é pretexto:
Vó Rita dormia embolada
comigo - isso dá texto!
Num bar, tomando cerveja,
fica perfeito o contexto..."

Diz Valter: "Quando eu escuto
uma pergunta, imagino
respostas tão delirantes
que margeiam desatino.
Construo assim meu processo,
escrevo e depois refino.

O corpo de uma mulher
pode espoletar a obra.
O real nunca me basta;
escrevo a parte que sobra
ou a que falta, quem sabe
- o real jamais me dobra."

Conceição diz: "Eu queria
viver somente de escrita,
mas o entorno contamina,
por isso não fico aflita:
coleciono o que observo.
É uma coisa até bonita..."

Valter fala do trabalho
de escrever com sentimento:
"Sempre digo que o autor
faz pacto de sofrimento;
se alguém disser que não gosta
do que fiz, sofro, lamento.

Enfim: só um imbecil
perde a angústia, isso é fato,
pois há sempre alguém sofrendo
fome, dor ou desacato.
Mas há um sobrinho nascendo:
isso é bom, perfeito, exato..."

Foi assim a prosa boa
de Valter e Conceição.
Quem esteve aqui no dia
poderá me dar razão.
E o sábado já começa
cheio de satisfação:

Vem Ângela Savastano,
nossa aluna-professora,
mestra de tantos de nós,
mãe e avó, contadora
de histórias, fatos e causos.
Na vida, grande doutora!

Elisa, Odilon, Adriana
são ótima companhia.
Sônia e Ângela, que luxo,
chegam pra nos dar bom dia.
Desejo a todos, então,
boa prosa, boa poesia!


(Paulo R. Barja)

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