(Obs.: o texto foi escrito logo após a invasão policial no bairro Pinheirinho, de São José dos Campos, que aguardava regularização. Reitero que não é de nosso interesse criticar organizações e/ou pessoas que "aprovem" ou "desaprovem" o texto em si. Apenas acredito na literatura, e no cordel em particular, como forma de expressão democrática e libertária. Com vocês, o texto:)
CORDEL DO PINHEIRINHO
Moro em São José dos Campos
- Campos de Concentração.
Para o rico, tem de tudo;
para o pobre, humilhação:
mesmo quem trabalha muito
é chamado de ladrão.
Muita gente lê notícia
que já chega censurada;
pela tela da TV
acaba sendo enganada
e a verdade, minha gente,
precisa ser relatada.
Vou falar do Pinheirinho
e dos fatos que conheço:
dessa gente tão sofrida
que perdeu seu endereço.
Para não ser leviano,
vou contar desde o começo.
A família de alemães
que era dona do terreno
e tinha um temperamento
reservado, até sereno,
foi todinha assassinada
deixando um mistério pleno:
Será mesmo que assassinos
vieram só pra roubar
o dinheiro que a família
poderia ali guardar,
ou visavam o terreno
para dele se apossar?
Como não havia herdeiros,
ficou tudo pro Estado,
mas, 12 anos depois,
um fato mal explicado:
Naji Nahas virou dono
do terreno abandonado.
Mas, por mais de 20 anos,
Nahas nada construiu
no terreno que a “Selecta”,
sua empresa, assumiu.
Também não pagou impostos
e sua empresa faliu!
Faliu porque Naji Nahas
emitiu cheques sem fundo
e na Bolsa de Valores
prejudicou meio mundo,
deixando assim no mercado
um rombo muito profundo.
O terreno Pinheirinho
seguia sem ter ninguém.
Só mesmo em 2004
chegou gente ali - mas quem?
Trabalhadores sem teto,
gente assim, que pouco tem.
Gente, porém, com vontade
de viver e trabalhar;
com desejo de uma casa
muito simples pra morar.
Só queriam ser felizes,
sem ninguém atrapalhar.
Temos que lembrar agora
nossa Constituição,
pois nenhuma propriedade
pode ficar sem função
social; caso contrário,
vem desapropriação.
Com o povo, enfim, a terra
tinha função social,
porém essa ocupação
ainda era ilegal:
o governo precisava
manifestar-se, afinal.
Passaram-se 8 anos
e a ocupação cresceu.
Prefeito? Governador?
Nenhum deles resolveu
e a “Justiça Estadual”
nessa hora apareceu.
Mandou devolver as terras
para o especulador
preso por formar quadrilha
e também sonegador;
Nahas era assim, mas teve
a juiza a seu favor!
Essa decisão estranha
aterrorizou o povo
mas a juiza dizia
que somente um “fato novo”
mudaria a decisão,
sendo de Colombo um ovo.
O Governo Federal
propôs então ao prefeito
desapropriar a terra,
pois seria esse o jeito
de evitar a violência,
fazendo tudo direito.
Mas o que não se esperava
aconteceu nessa hora,
pois o prefeito sumiu
- simplesmente foi-se embora -
e o que se viu em seguida
a gente lembra e já chora.
Em 22 de janeiro
de 2012, às 6,
a polícia militar
invadiu, vejam vocês,
as terras do Pinheirinho
e o massacre assim se fez.
Foram bombas, muitas bombas
e também gás de pimenta;
centenas de tiros dados
contra o povo – quem aguenta?
Repressão ao cidadão:
ação brutal e violenta.
Mais de 5000 pessoas:
multidão desabrigada.
Gente simples, cuja vida
foi vilmente destroçada.
Teve a casa destruída:
tinha pouco; não tem nada.
Abrigados em ginásios,
numa igreja, numa tenda,
agredidos e humilhados
numa ação cruel e horrenda.
Por mais que eu tente entender,
não conheço quem entenda.
O governador do Estado,
em meio à calamidade,
declarou, muito tranquilo,
pra toda sociedade:
“Dou aluguel social,
mas preservo propriedade.”
O tal “dono do terreno”
e a juiza, sem demora,
mostraram-se satisfeitos,
estão rindo até agora
- mas, enquanto um ladrão ri,
tem muita gente que chora.
Meu povo: será que a vida
vale menos que o dinheiro?
Um bandido milionário
vale mais que um povo inteiro?
E a justiça, onde se esconde?
Qual é o seu paradeiro?
P inheirinho ainda existe;
R esiste dentro de nós.
B ravamente, Pinheirinho
A ssimila dor atroz,
R asga o nosso coração,
J ustifica ocupação,
A limenta nossa voz.
Eu acho que esse texto foi banido do Festival da Mantiqueira por tocar num assunto tenebroso para a atual administração da cidade e que ja chegou até a OEA e a ONU e que o autor deveria sim fazer uma nota de repudio sobre o caso !! Desculpe , essa é a minha opinião !
ResponderExcluirEduardo Pereira
Grande Eduardo,
Excluiracho que todos concordamos com o fato de que o tema "Pinheirinho" é um assunto realmente tenebroso e a conduta dos governos municipal e estadual no caso merece nosso mais veemente repúdio. Quanto a nós, o mais importante é que não nos calemos diante desses absurdos. Enquanto houver voz e cidadãos dispostos a ouvir, vamos seguir nas manifestações democráticas. Abraço!
Paulo Barja...a emoção e a tristeza quase não me permitem postar este comentário...você, como ninguém, conseguiu expressar claramente em seus cordéis o que de fato aconteceu naquele domingo de janeiro...prometo que comentarei novamente, menos emocionada...aquela horrível sensação de impotência nunca me abandonou...assim que as lágrimas permitirem, comentarei novamente...Parabéns, caro amigo. Pena que não deixaram publicar. Mas a Luta, continua! Abraços!
ResponderExcluirOi Silvia,
Excluirobrigado pela visita e pelo afeto. Na verdade Pinheirinho nunca sairá de dentro da gente... mas o cordel está publicado no papel e agora na internet, pra ajudar o povo todo a não esquecer. Não dependemos de Festival... onde há gente pra ouvir, podemos falar, recitar - debater o presente pra ajudar a construir um futuro que seja melhor pra todos. Vamos juntos, abraços!
Parabéns Barja, por fazer do cordel ainda o jornal do povo. Precisamos continuar gritando, não podemos esquecer nunca o massacre do MST em Eldorado Carajás, Pinheirinhos e tantos outros.
ResponderExcluirOi Adailton,
Excluirseguiremos sim, juntos e firmes, no teatro, no cordel, na cantoria, na voz de cidadão-artista denunciando até a última injustiça. Força sempre!
Parabéns Paulo!
ResponderExcluirGrande expressão da verdade cruel!
Nunca vão nos calar, um grande abraço.
Gredison Maciel
Obrigado a você e a todos pela força e pela união: "Todos juntos somos fortes!"
ResponderExcluirAbraço
Paulo