Capa: Aron Pereira
Escrevo para contar
a quem vier no futuro
que o Brasil fazia pontes
e então construiu um muro
gerando segregação,
ódio e dor em tempo obscuro.
Seja essa história um alerta
– um manifesto, afinal –
como aqueles que nos deu
Plínio Marcos, genial,
que se descrevia como
“repórter de um tempo mau”.
Pátria minha tão armada,
mal amada pelos seus:
muitos dos que empunham armas
dizem que é em nome de Deus,
mas proferem ameaças
contra excluídos e ateus.
A desgraça teve início
quando a elite começou
a ver os pobres felizes
e isso muito a irritou:
“Escravo não deveria
viajar nem ir a show!”
Com desemprego lá embaixo
– cerca de 4% –
e direitos trabalhistas,
ninguém dormia ao relento,
mas empresários chiavam:
“Desse jeito não aguento!”
O custo de um empregado
diziam ser muito alto.
Tramaram então um golpe
contra o pobre povo incauto.
A tevê participou,
gerando até sobressalto.
Falsearam logo os gráficos,
mentiram sobre a inflação
e disseram que o problema
era a velha corrupção
(da qual os tais mentirosos
não queriam abrir mão).
Foi “com Supremo, com tudo”
e com camisa amarela:
rico mandava empregada
sair batendo panela.
“Tem mulher na presidência?
Tudo então é culpa dela!”
Consumado este capítulo
tristemente inesquecível,
o presidente vampiro
teve desempenho horrível
e a crise abriu a porteira
para o ódio e o baixo nível.
A ignorância dos fascistas
não era nenhum segredo:
desfilavam de amarelo
fazendo arminha de dedo
e ofendiam minorias,
deixando muitos com medo.
Na campanha eleitoral,
subiram cada vez mais
com os disparos em massa
pelas redes sociais
das chamadas fake news,
que foram mesmo fatais.
Tal receituário foi
lá dos States copiado;
empresas como a Havan
nisso investiram pesado,
pois queriam eleger
um ex-tenente afastado.
O sujeito de que falo
teve mau comportamento,
causando às Forças Armadas
enorme constrangimento,
mas encontrou no Congresso
seu natural elemento.
Depois de embolsar juízes
e mirar na oposição,
cujo líder inconteste
foi empurrado à prisão,
uma facada suspeita
resolveu a eleição.
Foi num comício lá Minas:
a segurança afrouxou,
um maluco foi chegando
e, quando se aproximou,
o ex-tenente fez careta
- mas será que a faca entrou?
O que podemos dizer
- vejam que coincidência -
é que o tal de Adélio havia
batido até continência
para um filho do ex-tenente.
Curiosa, essa demência...
Isso é fato e não boato
(é a verdade que miro):
um dos filhos do ex-tenente
frequentou curso de tiro
com o maluco da faca
- a isso é que me refiro.
O ex-tenente foi eleito
para ser do povo algoz,
mas as denúncias diárias
afinavam sua voz,
como o caso milionário
do seu colega Queiroz:
Ex-PM, o motorista
manuseou grana preta
da família do ex-tenente.
Era gorda aquela teta...
De repente, escafedeu-se
- pelo ar ou pela sarjeta?
Com tanta notícia-bomba,
loucura pouca é bobagem:
um problema diplomático
gerou vergonha em viagem
do ex-tenente/presidente
por “excessos na bagagem”:
Tijolos de cocaína
sem disfarce (!), carga estranha
a que o piloto-reserva
carregava pra barganha
quando foi preso na alfândega
pela polícia da Espanha...
As milícias cariocas,
cantadas em verso e prosa
pelo clã presidencial
(todos de azul, nunca rosa)
seguiam mandando em toda
a terra maravilhosa.
No entanto, a economia
no país ia bem mal
e o povo dava o recado
antipresidencial
pelas ruas e também
nas páginas de jornal.
Era preciso agradar
os tubarões do Mercado
para ficar no poder
e não ser defenestrado.
O ex-tenente nem dormia,
pois estava preocupado.
O que a elite exigia?
Reforma da Previdência,
punindo o trabalhador
com firmeza e sem clemência:
“Trabalhem até a morte!
Será sua penitência!”
Ao reduzir os direitos
e aumentar a opressão
sobre o povo que trabalha,
o governo-sem-noção
demonstrava nostalgia
dos tempos de escravidão.
Como não havia votos
para aprovar tal maldade,
o governo liberou
muitas verbas, à vontade;
depois disso, os deputados
mostraram celeridade.
Com a reforma aprovada,
o resultado foi duro:
eis que os profetas do caos
sabotaram o futuro
do povo trabalhador,
que se viu em grande apuro.
Arrocharam fortemente
nossa aposentadoria,
com desconto e com pedágio
para João e Maria,
mas o Mercado, voraz,
festejou com euforia.
Como Benjamin nos disse
- consciência é coisa inglória -
e repito pra vocês,
dando a mão à palmatória:
“Para o passado é que olha
o infeliz anjo da História.”
P.R.Barja
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